terça-feira, 5 de novembro de 2013

Uma aventura ao sábado de manhã

Saio de casa para ir ao supermercado e faço uma paragem técnica na pastelaria da esquina para beber um café. Fico uns minutos à conversa com a minha vizinha da lado, uma velhota querida, viúva mas apaixonada. Quando vou a entrar no carro lembro-me que me esqueci - esta frase é genial... - dos sacos em casa. Não gosto dos sacos dos supermercados, rasgam-se facilmente obrigando-nos a andar de rabo para o ar a apanhar o rasto de compras que fomos espalhando.
Subo ao meu quarto andar, entro em casa, viro à esquerda para alcançar a despensa onde estão os sacos mas estaco à porta da cozinha: na janela da dita baila uma perna humana.
Demoro uns segundos a processar a informação visual e, qual Miss Marple, avanço para deslindar o caso.
Abro a janela toda, que tinha deixado entreaberta, como quase sempre, e vejo um homem preso por uma corda e respectivo arnês com um minúsculo pincel a pintar o interior das protecções dos estendais.
Mas então... ninguém nos avisa que vêm fazer este serviço? Entabulo conversa e dou por mim a falar com um homem descalço - é-lhe mais fácil para se apoiar, segundo ele - a baloiçar ao nível de um quinto andar, ele em cima e eu em baixo, salve seja.
Para além de não termos sido avisados - há vários estendais com roupa, incluindo o meu - ele afirma que isso não é com ele, tanto mais que ele nem é funcionário da empresa (o quê?!), apenas foi substituir um amigo que lhe pediu (o quê?!).
Então, mas e o seguro? Qual seguro? Então, mas e a roupa nos estendais? As janelas estão abertas e eu atiro-a para dentro das cozinhas. Então, mas e... espera aí! Isto é conversa para o administrador do condomínio, não para o praticante de bungee jumping.
O senhor administrador não estava em casa e, depois de fechar a janela e os estores, que isto somos todos muito sérios até nos começarmos a rir, desci a avisei a vizinha que ainda estava de volta da meia de leite de máquina com uma torrada.
A senhora quis imediatamente ir a casa, certa que a janela da cozinha tinha ficado escancarada; pediu-me que fosse com ela e constatámos que a janela estava de facto aberta, o praticante de trabalhos radicais voltou a cumprimentar-me e disse à simpática velhinha que tinha entrada na cozinha e tirado um pano da louça, é que, sabe, explicava-se ele com naturalidade e legitimidade, o alumínio aqui da sua janela está muito desgastado e dá-me cabo dos pés. 
Eu esperava a todo o momento que aparecesse alguém a gritar Smile, you are on Candid Camera!, mas nada aconteceu, para além da minha vizinha ter resolvido imitar um peixe fora de água, a abrir e fechar a boca, virando a cabeça ora para mim, ora para a janela onde o homem se balançava.
Renovados e polidos pedidos de desculpa acompanharam o fecho da janela e do estore, a pobre mulher quase em apoplexia, eu furiosa com o administrador que, mais tarde, pediu desculpa ao prédio inteiro pelo esquecimento de avisar da intervenção nos estendais. Enfim, é um prédio português...

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