sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Ponto alto

Continua o Congresso dos Bibliotecários.
Hoje houve uma alocução muito especial e não descansei enquanto não tirei uma fotografia com o senhor em questão: Alberto Manguel. Chamaram-me saloia, eu ouvi e não quero saber. Terá moldura ao lado da fotografia que tirei com José Mindlin.
Não percebi, eu e muitos outros, porque razão Manguel falou apenas 15 minutos. Quando vi o programa pensei sinceramente que fosse um engano; não era. Como se pode ter uma pessoa destas 'à disposição' e deixá-lo falar uns míseros 15 minutinhos? Sem uma sessão de perguntas, de conversa, de debate, nada?
Todos os profissionais de informação que lá estavam, e éramos muitos, conhecem Manguel; não o conhecer equivale a sermos párocos que não conhecem o Papa, num mundo em que as estruturas de informação já não se limitam a catalogar, classificar e indexar, mas vão muito para além disso.
Toda a filosofia e pensamento sobre O Livro que este pensador, e grande leitor, nos proporciona é inesquecível em todas as vertentes.
Aqueles 15 minutos foram uma brisa quando tínhamos o próprio vento ao nosso alcance. A páginas tantas, ele próprio disse já só tenho uns minutos... Não sei se acontece com todos, mas sucede com muitas pessoas desta profissão, sentirmos que Manguel é um ídolo vivo. Tê-lo ali como entrada quando a sua suculência merecia um prato principal foi uma desilusão. Provavelmente seria sempre uma desilusão no sentido em que, mesmo que falasse horas, eu quereria mais e mais e mais, porque o considero inesgotável.
Ter o autor de O Dicionário de Lugares Imaginários ali a dois passos, a ouvir-lhe a voz, em vez de lhe ler as palavras, a falar da imaginação e das Clínicas da Alma, as bibliotecas, foi único.
Ter o autor de A História da Leitura a falar, de voz viva, em Borges, foi magnético.
Ter o autor de A Biblioteca à Noite a falar do papel dos bibliotecários enquanto criadores de Ordem foi deslumbrante.
A curta duração do momento, um certo desaproveitar daquele Deus dos livros,  fez-me pensar numa certa virtualidade da oração, virtualidade essa que hoje todas as bibliotecas se sentem no dever de acompanhar e seguir. Neste caso, impunha-se esquecer o virtual e abraçar aquele discurso bem real, deixando-o prolongar-se.

2 comentários:

  1. "(...) um outro leitor - talvez a minha ama - tinha-me explicado as formas e depois, de cada vez que as páginas se abriam para revelar a imagem deste exubrante menino, eu sabia o que as formas debaixo dele queriam dizer. havia nisto um certo prazer, mas depressa se esgotou. faltava a surpresa.
    então, um dia, da janela de um carro (o destino dessa viagem está esquecido), vi um cartaz ao lado da estrada. não o devo ter visto durante muito tempo; talvez o carro tenha parado por um momento, talvez tenha abrandado o suficiente para eu poder ver, a pairarem em ponto grande, foras semelhantes às do meu livro, mas que eu nunca vira. no entanto, de repente, soube o que elas eram; ouvi-as na minha cabeça, o resultado de uma metamorfose de linhas pretas e espaços brancos numa realidade sólida, sonora e com sentido. tinha feito tudo isto sozinho. ninguém realizara a magia por mim. eu e as formas estávamos sozinhos juntos, revelando-nos mutuamente, num diálogo em respeitoso silêncio. ao conseguir transformar simples linhas em realidade viva, tornara-me todo-poderoso. sabia ler. (...)"

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  2. Se ele tem aquelas felizes frases nas «notas para a definição do leitor ideal» no A Readear on Reading, deve ter encontrado em em ti a definição de auditor ideal.

    Nunca me convidas para ouvir gente desta, tenho que me ficar pela leitura hebdomadária das crónicas do César das Neves e pelos posts diários do João Miranda. C'est pas juste! calimeramente parafraseando...

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