quinta-feira, 19 de abril de 2012

Comer como um abade


No âmbito da organização de eventos científicos da casa onde trabalho e a propósito de um seminário, convidámos um especialista norueguês para vir falar da sua experiência. Dada a confirmação da disponibilidade começámos a tratar da deslocação. O senhor pediu para ser ele a gerir esse assunto, informando-nos que sofria da doença celíaca e nem todas as companhias de aviação estavam preparadas para transportar pessoas com necessidades especiais de alimentação. Por quem é! Faça o favor!
Tratado aquele assunto, marcado o hotel, informei-me junto da Associação Portuguesa de Celíacos quais os restaurantes onde poderíamos levar o senhor, sem corremos riscos. Por coincidência, o Hotel escolhido estava numa espécie de fase final de certificação e decidiu-se que o almoço do dia do seminário seria encomendado ao hotel, nosso vizinho, e o jantar dessa noite, seria no restaurante do dito.
Assim, ao almoço recolheram-se pratos de peixe e carne, pão, entrada e sobremesa à hora marcada e o senhor não provou o nosso divinal arroz de peixe, feito de uma forma única e gulosamente lambido.
O evento foi um sucesso de tal ordem que os responsáveis quiseram comemorar com um jantar à antiga portuguesa e fizeram-no saber ao convidado estrangeiro que declinou o convite para comemorar depois de jantar. Assim, e cumprindo o que estava estipulado, estivemos com o senhor durante o seu jantar no hotel, tendo ele tomado uma refeição completa e nós ficámo-nos por umas entradas e um copo de vinho, que ele também tomou.
Fosse do vinho, da euforia ou do que fosse, o senhor reconsiderou e decidiu acompanhar-nos!
Muito bem!
Por entre sorrisos de profunda satisfação, felicidade e pela melodia do Bairro Alto aos seus amores tão dedicado, sentámo-nos num restaurante e pedimos o jantar. Tendo em conta que tinha acabado de jantar opiparamente, o senhor surpreendeu-nos ao perguntar ao empregado o que tinham sem glúten que ele pudesse comer. Lá disseram que não era o primeiro celíaco que recebiam, explicaram o que tinham, pensando nós que ele queria qualquer coisa leve para nos acompanhar. Quando trouxeram um prato maior que os nossos, não verbalizámos a percepção do desperdício, mas todos pensámos o mesmo. Porém, e para nossa grande estupefacção, ele  limpou o prato num ápice, empurrado por um Dão que deslizava como enguias.
O companheirismo que se estabeleceu com o senhor não impedia que nos ríssemos até às lágrimas, relembrando todas as preocupações com a sua alimentação, tantos mails para trás e para a frente, quantos cuidados que, afinal, tinham nascido dele próprio, e afinal, concluímos, abades, há-os em todos os países e para lá de todas as doenças.
Que lhe tenha feito bom proveito é o que se deseja!

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