sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Trabalhos de grupo

Os meus desenhos são lendários. Normalmente as pessoas associam-nos àquele dia em que fizeram xixi pelas pernas abaixo de tanto se rirem. Dizem que filho de peixe sabe nadar e assim é: consta que a minha mãe foi elogiada numa ocasião pela sua professora primária pela árvore que desenhara. A senhora professora franziu os sobrolhos quando soube que não era uma árvore e sim uma cafeteira.
aqui falei da minha total incapacidade em produzir um simples risco e do que aconteceu na escola Visconde de Juromenha quando fui obrigada a fazer parte dum grupo, e consegui, não fazendo rigorosamente nada, que o prémio de melhor trabalho fosse dado ao meu grupo. Puro golpe de sorte que me ajudou a não ser ostracizada para todo o sempre pela escola inteira, e ainda saí da sala quase em ombros, qual toureiro em Las Ventas.
Já na Secundária de Santa Maria, em Sintra, um certo trabalho de grupo de três pessoas, teve participação efectiva de duas e a terceira ficou muito admirada quando apareceu no dia da apresentação oral do trabalho e constatou que o seu nome não constava. A fúria deu-lhe para fazer queixa de nós ao professor, alegando injustiça! Quando nos perguntaram porque tínhamos feito aquilo, respondi com outra pergunta dirigida ao elemento faltoso:
- Que parte do trabalho é que fizeste?
Não havendo resposta, o caso ficou por ali e eu livrei-me dos monos da turma que deixaram de querer fazer trabalhos comigo, segundo eles por eu ter mau feitio…
No primeiro ano da faculdade fomos organizados em grupos de dois e calhou-me um rapaz que nunca vira e com quem nunca tinha trocado uma palavra. Como mantivemos a distância e o silêncio, apresentei o trabalho só com o meu nome. Ainda o guardo pois a nota foi magistral: PÉSSIMO, em maiúsculas, não fosse eu baralhar-me na leitura. Contudo, o professor mencionou a coragem de ter enxotado o parasita e ter enfrentado a coisa a solo.
Sempre que podia fazia trabalhos sozinha, atitude que se alargou aos estudos posteriores. Adoptei uma táctica que consistia em escolher a primeira data de apresentação dos trabalhos, sabendo eu que todos queriam a última; conclusão, poucos queriam trabalhar comigo.
Agora ouço uma amiga queixar-se que anda a fazer trabalhos de grupo… sozinha. Dou-lhe na cabeça, é claro, e incentivo-a a inscrever apenas o seu nome.
Os aproveitamentos surgem porque há duas espécies de pessoas: os aproveitadores e os aproveitados… Está muito mais na mão destes o fim destes relacionamentos desequilibrados e injustos, do que dos primeiros que, tenho a certeza, por si só nunca desaparecerão.

O que faz uma pessoa deixar-se injustiçar numa situação como esta? O que tem em dívida para com o outro, para o deixar colocar-se no pedestal do lucro fácil sem o denunciar através da omissão do seu nome? Que medo é este? O que é necessário para se passar do trabalho de grupo para o trabalho em equipa?Um grupo não é sinónimo de equipa. Uma equipa trabalha conjuntamente, cada um com uma missão, por mais pequena que seja, para se atingir o bem comum. Nos grupos há quem trabalhe para o bem dos outros e os outros nem se dignam agradecer.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Raro, raro, raríssimo…

De passeio pelo matagal que é a bloga visito amigos e desconhecidos. Encontro coisas que devem ser realçadas, atitudes raras, muito raras. Não me surpreendo porque conheço a pessoa em questão e sei que não são palavras vãs: ter trabalho é ganhar o euromilhões. É verdade.
Por outro lado, a  revolta contra comportamentos vizinhos, diários, tão próximos que são quase nossos, salve seja!, que nos puxam como um íman, querendo que também nós façamos parte de clubes de facilitismos, de deixa andares, de descomprometimento, de falta de empenho, e muitos eteceteras.
Estes comportamentos, mais do que tristes, são irresponsáveis e devem ser apontados a dedo! Não são só da classe professoral, antes pelo contrário, escavemos e encontramo-los nas raízes das vivências de quase todos os que conhecemos.
E depois… depois chega a ser cómico ouvir falar de cansaços e de actividades extenuantes.
Felizmente há quem não se canse e Sorria Sempre.

Trigo limpo, farinha Amparo!

Ontem à noite fui às compras e depois de as arrumar deliciei-me – há gente para tudo – a arranjar o peixe. Se eu trabalhasse num supermercado seria na peixaria e atenderia os clientes que querem o peixe amanhado…
A meio de escamar um pargo ouço a voz da Madalena Iglésias na rádio a dizer que sabia quem ele era, era um bom rapaz, um pouco tímido e tal e comecei a acompanhá-la prestando, pela primeira acho eu, atenção à letra. De mangas arregaçadas, faca numa mão e rabo do pargo na outra, conclui que o amor já não é o que era: um homem que chora se ela não vem? Objecto de Museu! Se ela não vem, ele arranja outra!

Sei quem ele é
Ele é bom rapaz
Um pouco tímido até
Vivia no sonho de encontrar o amor
Pois seu coração pedia mais,
Mais calor
Ela apareceu
E a beleza dela
Desde logo o prendeu
Gostam um do outro e agora ele diz
Que alcançou na vida o maior bem,
É feliz.
Só pensa nela
A toda a hora
Sonha com ela
P´la noite fora
Chora por ela
Se ela não vem
Só fala nela
Cada momento
Vive com ela
No pensamento
Ele sem ela
Não é ninguém

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O assalto

Se há coisa que as férias ainda não aprenderam foi a caminhar, sempre a galope, qual cavalo selvagem. Aquelas não eram excepção. Mesmo assim, corriam mais lentas que nos dias de hoje pois ainda não existiam telemóveis.
A casita alugada não tinha telefone fixo, pois claro, e tomávamos lugar na fila para a cabina na praça central e fazíamos o dever do telefonema à família. A conversa era sempre a mesma, Que sim, que estava tudo bem, a praia estava óptima e do outro lado anunciavam-se saudades, como se estivéssemos emigrados nas Franças e não víssemos a família há meses.
Um dia disse ao meu marido que fossemos a meio da tarde fazer o telefonema da ordem para evitarmos a fila nocturna e os sucessivos telefonemas para a Alemanha, Dinamarca, Espanha e todos os países de origem dos turistas que chegavam primeiro que nós ao telefone.
Se mais cedo tivéssemos ido mais cedo regressaríamos a Lisboa: do outro lado, a voz da minha mãe mostrou-se ansiosa com um ainda bem que telefonaram, e cautelosa lá nos disse que a nossa casa fora assaltada. Aparentemente não faltava nada, mas só nós é que podíamos ter essa certeza. A polícia esperava pela informação, a Judiciária, precisou ela. A Judiciária? Desde quando é que tomavam conta de assaltos? Que estranho…
Tarecos no Fiat Uno, estrada acima, muito curiosos e expectantes com o que faltaria pois, de certeza, os ladrões deviam ter levado qualquer coisa, mas o quê?
Nessa altura morávamos naquela que ficou para a história como a Casa Azul: uma vivenda pintada com um azul piscina tão fascinante que numa ocasião em que fui de táxi para casa e dei a referência ao taxista, o cruzamento que ficava diante da casa, ele disse saber onde era, ficava mesmo ao pé daquela casa azul, horrível. Pelo caminho ainda dissertou sobre o que levaria as pessoas a escolher cores como aquela, e pensei o que me responderia ele se lhe desse o número de telefone do meu sogro para que perguntasse…
A Casa Azul era enorme: nós morávamos no rés-do-chão e os meus sogros e cunhada no andar de cima. Tinha um enorme quintal nas traseiras e uma garagem onde cabiam quatro carros. Na frente, o metro quadrado de terra com umas tímidas plantas tinha o nome pomposo de Jardim.
Quando chegámos já o vidro da janela por onde os meliantes entraram estava substituído, tarefa a que o meu sogro se entregou na manhã seguinte ao assalto.
Os assaltantes eram três, pularam o muro, dirigiram-se às traseiras, partiram o estore e o vidro e entraram em casa. Primeira tarefa: abrir as janelas todas, à excepção de uma que dava para a vivenda do lado esquerdo, um lar de idosos. Todas as outras, num total de seis janelas, foram escancaradas. Mesmo as que davam para o lado oposto ao lar, outra casa com características semelhantes, mas desabitada pois estava a sofrer obras profundas.
Como é que o meu sogro sabia que eram três? Alguém os viu?
Acontece que a casa do lado estava desabitada, de facto, mas não a garagem… Então o que aconteceu?
Os nossos vizinhos estavam não só a remodelar a mansão, mas também a fazer a bela da piscina. O quintal, não, eles tinham jardim, quintal tínhamos nós, o jardim estava cheio de máquinas e o homem lá achou por bem contratar alguém para ficar de olho nelas. Esse olheiro dormia na garagem, coisa que ninguém sabia.
Naquela noite acordou com vidros a partirem-se e foi espreitar sorrateiro. Viu logo os nossos belos cortinados da sala a quererem fugir com o vento pela janela de vidros em cacos e percebeu que a casa estava a ser assaltada. Viu as outras janelas a serem abertas, enquanto se manteve em silêncio. Ficou a pensar que tinha que fazer alguma coisa, mas o quê? E se o tipo fosse violento? Não pensou em usar o telemóvel pois, como já se viu, ainda não tinham sido inventados… pensou, pensou, pensou, até que teve uma ideia, e boa, diga-se de passagem. Se ele não via o ladrão, ou ladrões, era muito provável que eles também não o vissem. Foi buscar as chaves do seu próprio carro, arriscou-se a sair da garagem, encostou-se ao muro comum às duas casas e avançou agachado rente ao muro até ao portão, que abriu com mil cuidados. Chegou ao carro e começou a abaná-lo com força. Foram precisas três abanadelas para o alarme começar a tocar.
Deixou-se ficar escondido pelo carro e foi aí que viu três homens vestidos de negro da cabeça aos pés a saírem por três janelas diferentes. Dois deles lavavam coisas nas mãos. Fugiram a pé. O homem meteu-se no carro e foi avisar a polícia. Estavam os meus sogros a entrar com o carro na garagem quando chegaram os agentes acompanhados do homem. Ainda nem tinham dado conta do que acontecera.
Lá entraram todos, o homem a penalizar-se pelo medo e pela idade que o impediram de correr atrás deles.
O pé de cabra com que entraram ficou na sala. Começou aí a sucessão de coisas estranhas que fez com que chamassem a Judiciária: os candeeiros da sala eram aquilo a que se chama plafonds, e estavam cuidadosamente colocados nos sofás.
Em cima da mesa do escritório estavam lado a lado, com minúcia de distância entre eles: livros de cheques, uma caixa com fios e brincos de ouro e aquelas pulseiras de Lembrança da Madrinha que ambos guardávamos, entre outras quinquilharias e um pote cheio de moedas que eu guardava como mealheiro. Não faltava nada. Duas das caixas dos estores estavam abertas, mostrando toneladas de pó e cotão. 
A casa de banho tinha o autoclismo dentro da parede, mas ainda tinham retirado a maçaneta do dito, mostrando o buraco na parede. Mas a coisa mais esquisita eram as fotografias de casamentos e baptizados, por assim dizer, espalhadas no chão do escritório e os álbuns fotográficos em cima das cadeiras. Que raio era aquilo?
Lá demos volta à casa e vi que faltavam algumas das minhas malas, das que costumava usar no Inverno, assim como as que costumava usar em casamentos e baptizados, e que estavam guardadas dentro dum armário, nada mais. As malas que usava no Verão, penduradas num cabide à entrada da porta, estavam todas no seu lugar.
Enquanto deixávamos a estranheza tomar cada vez mais conta de nós e nos perguntávamos repetidamente, mas que raio…?, lá fomos à polícia dar conta das malas roubadas e o que eles tinham para nos dizer parecia um filme: aparentemente tinha havido um engano e os ladrões assaltaram a casa errada.
Quiseram saber se tínhamos alguma jóia especial. Se a pergunta tivesse sido colocada aos meus pais, tenho a certeza que a resposta do meu pai seria que a única jóia da vida dele era a minha mãe. Nós respondemos ambos que não. Então explicaram-nos que tudo indicava que os assaltantes procuravam uma determinada jóia, uma peça valiosa daquelas que não se guarda no guarda-jóias, mas antes se esconde bem escondida, por exemplo nos apliques dos candeeiros, nos autoclismos ou em qualquer outro local de difícil acesso, mas que podem ser inúmeros pois, por norma, estamos a falar de coisas pequenas, um anel, um pregador ou algo do género.
A coisa tinha sido estudada pelos profissionais do roubo: sabiam que estávamos de férias; sabiam a que horas chegavam os meus sogros; sabiam que a casa da esquerda estava habitada – o lar – por isso não abriram a janela desse lado; abriram todas as outras janelas para poderem ter pontos de fuga imediatos em caso de necessidade; apenas não sabiam que dormia alguém na garagem do lado…
As gavetas não estavam reviradas pois o tipo de coisa que procuravam não se esconde em gavetas; levaram as malas pois não tendo encontrado o que procuravam, era provável que estivesse guardado numa delas, principalmente em duas com características de serem usadas apenas em dias especiais.
As fotografias espalhadas no chão do escritório ajudavam à tese: em que ocasiões se usam jóias? Nas festas. Não tendo encontrado o que procuravam, deram uma vista de olhos nas fotografias procurando ver a dita jóia. A meio de todas estas tarefas o homem que guardava a maquinaria da casa do lado pô-los em fuga.
Semanas mais tarde telefonaram-me da escola de línguas onde andava a ter aulas de alemão: alguém os contactara dizendo ter encontrado umas malas numa pedreira a poucos quilómetros da zona onde morava. Dentro duma delas estava o cartão da escola com o meu nome. O senhor que as encontrara deixara o seu telefone para que eu lhe ligasse. Assim fiz e encontrei-me com o homem que disse andar a passear o cão quando deu com as malas. Estranhou estarem todas em bom estado e serem várias. Vasculho-as e encontrou aquele contacto. Foi assim que recuperei a única coisa que os ladrões levaram.
Quando o meu filho era pequeno contei-lhe a história do assalto. A parte melhor da narrativa foi a observação dele:
- Então eles não chegaram a encontrar a jóia! Onde é que vocês a tinham escondida? Mostra-ma!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A margem de Churchill

Ouvi falar da edição da Texto de Memórias da II Guerra Mundial, de Churchill. Vou comprar, pensei.
Chegou hoje um exemplar à Biblioteca, que abri cobiçosa. A primeira impressão, aberto o livro ao acaso, foi de faltar ali qualquer coisa… num segundo relance, percebi o que era: o livro não tem margens! A escassa meia dúzia de milímetros foi opção? Financeira? Estética não foi com certeza… Nem um centímetro de margem? Nem um??
O livro é obra para interessados que pagariam o excesso de certeza; no meu caso, a compra vai ser declinada.
A opção da gramagem do papel é aceitável face às 1071 páginas do livro, mas as margens? Ao segurarmos o livro temos sempre várias impressões digitais em cima da mancha gráfica que enche a página e faz o livro parecer os antigos acetatos, escritos de cima abaixo, sem qualquer noção de espaço, de comunicação, de apresentação, ou aquelas fotocópias mal tiradas em que as linhas de baixo são comidas pela fotocopiadora ou, em linguagem honesta, pela falta de jeito de quem tira fotocópias.
As margens nos livros servem para muito mais que centrar as letras, por exemplo, para não dar a sensação, na leitura, que caímos da página abaixo, que se transforma numa quase dúvida: faltará ali texto? Isto para não falar das imprescindíveis anotações.
Por outro lado, Denis Kelly, aparece na Nota (de introdução) como tendo feito o resumo de várias obras de Churchill, que deram origem ao presente volume. É pois o Editor Literário. O facto de não se mencionar na ficha técnica é esquecer o trabalho importantíssimo desta figura.
Denis Kelly foi assistente literário de Churchill nas suas memórias de guerra e antes tinha integrado a equipa do político como arquivista.
Surpreende-me o facto de não constar como co-autor deste livro em concreto, ou Editor Literário, aquela personagem que escolhe, que selecciona, que sugere, que decide o que eu, leitora, vou ler.
As palavras do maior líder da guerra, o resumo de The Second World War, no original, fica assim deficiente no parentesco e na metragem do enquadramento do texto. Até Churchill daria mais margem ao inimigo.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Os meus estragos

Depois de avariar um estore, um microondas, meia dúzia de biberões e um esterilizador na casa da minha irmã, abalancei-me para um curto-circuito na minha própria casa, seguido duma avaria da panela eléctrica! Estou em grande!
Claro que vizinhos, família e amigos andam com pavor da minha pessoa e só falta acenderem e apagarem as luzes à minha passagem para me poupar a esse incómodo
Nunca fui de partir pratos ou copos, de encalhar teimosamente nos móveis como a minha prima N., ou de avariar coisas, mas parece que estou a mudar.
Aguardo que a minha pele se esverdeie, qual Hulk, ou talvez seja melhor como a Fiona, e quando chego a casa descalço-me e conto os dedos dos pés que, por ora, ainda não se tornaram como os da Dama de Herculano, mas é só esperar…
Será azar? Temo vir a ser o bode expiatório do concelho caso se verifiquem apagões, inundações ou vendavais, engarrafamentos, quedas de granizo ou nevões.
Ando mais devagar, verifico as ligações antes de carregar nos botões e, embora não sendo fatalista, mas estou à espera da próxima, que será dada nas notícias com a abertura do costume, notícia de última hora, onde se contará a história duma mulher que, de repente, deu em versão moderna de Midas, mas ao contrário: tudo o que toca transforma em despesa…

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Honestidade

Vou com O Complexo de Portnay nas mãos e nos olhos, alheia aos senta e levanta do metro, aos desculpe que se seguem aos empurrões. Vou alheia mas sei que existem.
Às tantas entra uma mãe com duas crianças e duas pessoas levantam-se, uma dá lugar à mãe com um bebé ao colo e a outra dá lugar ao garoto, quatro ou cinco anos de esperteza concentrada.
Porém, os lugares não são lado a lado. A mãe, do lado de lá de rabos encasacados, atira ao miúdo:
- Então, o que é que se diz?
Quando se pensava que o garoto levantasse a cara e agradecesse à senhora que se levantara para lhe dar o lugar, ele vira-se para a mulher sorridente a seu lado e diz:
- Podes levantar-te para a minha mãe se sentar ao pé de mim?
O brilho da resposta mostra uma honestidade que tende a perder-se com a idade. Uma pena.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Os meus sobrinhos, a Islândia e a Ética

Regressei. Em termos profissionais estive de férias. Na verdade estive a trabalhar, assumindo o meu papel de Pato Donald, tomando conta dos meus sobrinhos, que ai vão três.
Neste curto espaço de tempo consegui dar cabo do microondas, queimar os biberões (que plural tão feio…), estragar o estore da sala e, parecendo não ficar contente, cheguei a casa e provoquei um curto-circuito, razão pela qual tenho os candeeiros de pé alto da sala espalhados pela cozinha e casa de banho.
Foi uma semana desastrosa, nesse aspecto. Felizmente outros houve em que as coisas correram muito bem: o caminho até Évora de mão dada com a minha esguia sobrinha; os jogos de pólo aquático do meu sobrinho; os mimos no sofá da sala; mas acima de tudo, os risos e as gargalhadas. O mais novo ainda não se manifesta mas não é por falta de incentivo nosso, é simplesmente por ainda nem ter um mês.
As dinâmicas nas terras de interior são completamente diferentes das da cidade e eu que faço o meu filho com 17 anos andar acompanhado, vejo que em Coruche qualquer vizinho trará os gaiatos da escola e com um telefonema arranjam-se várias soluções para colmatar qualquer falha de horários: a avó de um amigo leva-os, o pai de outro trá-los, uma mãe leva-os à natação, alguém os leva a casa depois dos escuteiros. Para além disto, um café e um pastel de nata custam 75 cêntimos… setenta e cinco cêntimos, café e pastel, os dois juntos!
Com tamanha crise ando a pensar emigrar e pedi ajuda ao meu sobrinho que abriu um determinado livro com uma breve descrição de todos os países para escolhermos um. Não podia ser muito longe, mas tinha que nos dar boas perspectivas de vida. Escolhemos a Islândia. No dia seguinte, como nos filmes onde os sonhos se realizam enquanto dormimos, acordámos na Islândia! Percebemos isso quando saímos de casa em direcção à natação, eu encasacada como se a piscina ficasse num glaciar. Os outros adultos, embora habituados, mas vestidos de bonecos de neve e os miúdos, que nunca se queixam, a correrem com cachecóis pendurados. Combinámos riscar a Islândia e escolher outro sítio, não que eu não aguente aqueles gelos, mas como sou uma rapariga elegante, os casacos em cima de casacos fazem de mim um fardo de palha daqueles redondos e se calhar a cair dou em rebolar e só me apanham a meio do Atlântico Norte…
Além disso intensificámos a nossa pesquisa e descobrimos que foi em 1939 que se registou a mais alta temperatura do ar – 30,5º - o que nos deu logo vontade de rir, mais ainda quando lemos que os invernos são amenos! Achávamos nós que sabíamos o que quer dizer ‘ameno’…
Posta de lado a Islândia não chegámos a qualquer outra conclusão embora o meu sobrinho me tenha dado outra sugestão: Coruche…
Geografias à parte, sexta-feira fui dar uma conferência sobre ‘Ética na Gestão’ e o meu sobrinho acompanhou-me. Éramos duas pessoas e eu fui a segunda a intervir. Enquanto a primeira falou o gaiato sentado ao meu lado apanhou-lhe os tiques de linguagem e expressão corporal e tive que o mandar calar duas vezes, no meio de risos contidos, tal era a precisão das suas observações sussurradas ao meu ouvido. No final disse-lhe que tinha sido pouco ético da sua parte fazer aquilo e ele disse-me que talvez, mas que tinha sido muito divertido…

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O Último Bandeirante

Gosto muito de romance histórico, e este tem a particularidade de ter uma boa construção de personagens, elemento essencial para qualquer narrativa, mas ainda mais neste tipo de literatura onde, com frequência, há autores que se abrigam nas descrições da época fragilizando as personagens, conferindo-lhes um estatuto de fantasma, tal a fragilidade com que nos aparecem.
Não me canso de elogiar um livro que me convença através deste aspecto: quando lemos e ‘reconhecemos’ as acções ou os pensamentos, é como se conhecêssemos aquela pessoa. Isto é trabalho do Autor, enquanto pai, escultor que não despreza mínimos detalhes que ajudam a fazer o puzzle das personagens.
Por outro lado, o Autor não toma posição a favor de bandeirantes ou missionários: dá-nos a dimensão dos factos históricos, riquíssimos, como quem mostra uma fotografia. Dá-nos a informação mas sem opiniões, sem julgamentos, nem o poderia fazer sem insultar a História.
Nunca escrevi nada que roçasse sequer o romance histórico mas até acredito haver uma certa tentação para, no mínimo, se usarem adjectivos que acusem o nosso ponto de vista, palavras traiçoeiras que façam os outros perceber que concordamos com isto mas não com aquilo ou, pior ainda, muito pior, quando se analisam as situações e se fazem reflexões à luz dos nossos dias, em total disparate.
‘O Último Bandeirante’ não tem disparates, antes pelo contrário: narra o que aconteceu, como cronista, usando a imaginação mas sem desmerecer na História, sem a querer alterar.
Introduz-nos o mundo meio conquistado meio por conquistar do imenso continente sul-americano, com descrições da selva e das Missões, dos escravos, da dinâmica das bandeiras e lembra-nos a maior bandeira de sempre, uma epopeia de cerca de 12 mil quilómetros no meio dum inferno, mas realizada, empreendida por muitos e concluída apenas por meia dúzia, por um punhado de gente que regressou obrigatoriamente diferente, como o Autor nos dá conta.
A descrição do assalto à Missão chega a ser bela, por incrível que pareça, apesar dos horrores enunciados, por verídica nos parecer.
‘O Último Bandeirante’ é um livro extremamente visual: das paisagens, dos índios, dos rios, dos mapas, mas também das personagens, da História, do passado, um passado que se fez presente e que está presente nos nomes das províncias, dos cursos de água, dos animais ou das frutas.

Confesso que sou desconfiada de jornalistas-escritores: a minha primeira impressão vai para um interesse comercial das Editoras em publicarem ‘famosos’, o que se espera vir a ser uma mais-valia nas vendas. É o fenómeno, ‘figura pública mediática ou mediatizada por qualquer razão que nada contribui para a tornar escritora, mas que mesmo assim atiça a curiosidade do público e isso chega’. Neste contexto, o jogador de futebol, leva a palma de ouro.
Por outro lado, custa-me a interiorizar, custa-me muito…, que certos jornalistas tenham escrito certas coisas e é com imensa facilidade que a minha imaginação vê outros a escreverem por eles, mas a minha imaginação é muito fantasiosa… Desta vez não foi o caso.
O livro é do jornalista Pedro Pinto, editado pela Esfera dos Livros, tem badanas, e na capa mostra uma imagem do quadro A primeira missa no Brasil, de Victor Meirelles.